As bruxas de São Paulo
Durante todo o ano, elas são vistas como figuras amedrontadoras. Na época do Halloween, as bruxas de mentirinha tomam as ruas, enquanto as de verdade invocam os rituais do bem
Por Guilherme Blanco Muniz
Na próxima vez que estiver sentado à espera da consulta, pense numa coisa: a médica de sorriso simpático pode ser uma bruxa. Médicas, engenheiras, comerciantes, advogadas e donas de casa brasileiras seguem as tradições celtas que se originam das crenças pagãs. Vassouras, chapéus e caldeirões podem até fazer parte dos rituais, mas o objetivo nunca é fazer mal a alguém. “Nós tiramos proveito das forças da natureza para diversos propósitos, desde que não prejudique ninguém”, afirma a sacerdotisa Márcia Sanção, responsável pelo Templo de Bruxas, no bairro da Penha, na Zona Leste da cidade.
Márcia integra um grupo de 28 sacerdotes do templo, um dos centros que disseminam a tradição Wicca em São Paulo. Além de buscar uma aproximação com os elementos da natureza, a religião Wicca tem como um de seus fundamentos o culto ao feminino – por isso estamos mais acostumados a pensar em bruxas do que bruxos. No templo de Márcia Sanção, também conhecida como bruxa Wind desde sua iniciação em 1993, dos sacerdotes, somente três são homens. Os cursos que sagram novos líderes duram três anos e ensinam os principais preceitos da religião. Porém, determinados ensinamentos que eventualmente poderiam ser usados por gente mal intencionada são ensinados após a sagração final. “Graças a Deus, eu nunca tive esse susto”, afirma Márcia, referindo-se a quem buscasse conhecimento para fazer o mal.
A aceitação do outro também faz parte da ideologia, por isso não é exigido que o wiccanismo seja a única religião seguida pelos integrantes. A bruxa Wind, por exemplo, veio de uma família católica e cita Deus com frequência. “Se alguém segue outra religião, nós não temos nada contra e estamos abertos”, afirma. Segundo ela, a tradição Wicca recorre a figuras das mais variadas religiões, como os santos da Igreja Católica e os deuses gregos. A maneira de se vestir e se apresentar também fica a cargo de cada bruxa ou bruxo. Márcia, por exemplo, gosta de usar preto. “Eu gosto muito de preto, mas isso não tem nada a ver com a tradição. Eu me visto conforme o ritual, inclusive com roupas coloridas”, diz. Na vizinhança, Márcia ainda chama a atenção. “Por aqui ainda tem muita curiosidade”, diz. “Quando eu entro no açougue, todo mundo olha”.
Outra sacerdotisa do centro da Penha é a bruxa Harka. De blusa branca e saia bem colorida, Carla L. é advogada, mas prefere manter discrição sobre sua escolha. “Poucos clientes sabem que eu sou bruxa”, afirma. “Normalmente só conto quando é alguém indicado pelo templo ou quando a pessoa comenta sobre esoterismo”. O preconceito, segundo Márcia Sanção, se dissemina muito mais pela falta de conhecimento sobre a religião Wicca. Ela admite, porém, que manter segredo é, talvez, o maior peso de professar o wiccanismo. “A gente tem que esconder mesmo”, diz. Como ponto positivo, ela ressalta a possibilidade de ajudar os outros e a si próprio com rituais de proteção e benção.
Halloween
A festa do Halloween, que até se transformou em feriado nos Estados Unidos, com crianças fantasiadas pela rua pedindo doces, vem do culto aos mortos. A data marca o momento em que o Sol (símbolo de energia masculina) começa a se distanciar da Terra (energia feminina). O ciclo de vida se inicia no primeiro semestre no Hemisfério Norte e se encerra no que seria o Halloween, ou Samhain. Por esse motivo, o certo seria que no Brasil a festa acontecesse no dia 5 de maio. Os bruxos brasileiros não se sentem, portanto, tão apegados ao 31 de outubro. No templo, a festa aconteceu uma semana antes, quando os sacerdotes amarraram fitas coloridas no mastro central, fizeram pedidos e dançaram (os quase 70 alunos não participam de rituais).
Para aqueles que se interessam pela religião Wicca, a bruxa Wind indica um pequeno ritual para pedir proteção e realizar pequenos desejos: amarre uma fita da cor de sua preferência no galho de uma árvore e dê três nós. A cada nó, faça um pedido. “Se você amarrar em uma árvore e ela for podada no dia seguinte, não importa, você já entregou seu pedido”, diz. Ah, não se esqueça de agradecer à Mãe-natureza depois de fazer os pedidos. Sem isso, aí sim, você corre o risco de ficar mal com as bruxas.